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AS ORIGENS DA REPÚBLICA DO BRASIL



... estes quinhentos anos assistiram a transformações mirabolantes, mas o que não tem mudado nestes cinco séculos é que a colônia, depois o país, funcionaram sempre em favor de uma pequena minoria que está no topo da sociedade [...] e contra a imensa maioria da população.

[Ciro Flamarion Cardoso, professor titular de história da UFF, ao prefácio de História do Brasil, de Vicentino e Dorigo]

REFLEXÃO SOBRE A REPÚBLICA

Discute-se muito se os mocambos palmarinos, as missões guaraníticas ou as povoações cabanas podem ser chamadas de repúblicas. Mas certamente a república de Bernardo Vieira de Mello, em Pernambuco, a república dos inconfidentes mineiros e baianos (século XVIII), a república socialista utópica dos praieiros republicanos (século XIX) e a república revolucionária de esquerda clandestina (século XX) são exemplos de ideias republicanas que não se concretizaram. Já as transitórias repúblicas pernambucanas de Domingos José Martins e do frei Caneca, as transitórias repúblicas baianas do Guanais e do Dr. Sabino e as transitórias repúblicas farroupilhas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina (século XIX) são exemplos de repúblicas de concretização efêmera. E há ainda os que falam numa "experiência republicana" durante a época das regências (século XIX). E, finalmente, se pode falar também nas repúblicas de curta duração e de caráter especialíssimo, como a república acreana (de Plácido de Castro), a república de Princesa, na Paraíba, e a república paulista constitucionalista (século XX).

Cabe perguntar se todas estas repúblicas que não foram pertencem à chamada história dos vencidos ou se são apenas dissidências na história dos vencedores.

[José Luiz Werneck da Silva, 06.05.1985]

O presente texto busca, através desse relato histórico sobre o surgimento da nossa República, trazer à pauta de discussão as causas da situação atual do país. 

Em uma época na qual a "globalização" traduz-se, dentre outros aspectos, em concentração de renda e abismo econômico e tecnológico entre nações mais desenvolvidas e menos desenvolvidas, ou centrais e periféricas, a análise sobre a construção do Brasil republicano expõe as raízes de nossas limitações históricas. 

Esperamos que esse relato estimule as gerações futuras ao desenvolvimento de mudanças verdadeiras e profundas, que possam diminuir desigualdades e injustiças, como as exclusões sociais. As mudanças contemporâneas aboliram a casa-grande e a senzala, mas trouxeram a mansão e a favela. Lendo o presente relato, notamos que as oligarquias, tradicionais ou novas, ainda existem.

Sob as Barbas do Imperador: os Antecedentes

D. Pedro II na abertura da Assembléia Geral (3 de maio de 1872), de Pedro Américo.
Acervo do Museu Imperial, Petrópolis (RJ).


...um soberano de índole democrata, simples, honesto, trabalhador, generoso e sem afetação [...]. Aprendeu dezessete idiomas, dentre eles: inglês, francês, alemão, italiano, espanhol, latim, grego, árabe, hebraico, [sânscrito] e tupi [...]. Sabia ler os hieróglifos egípcios. Versado em ciências e artes, escreveu poesias, artigos e traduções. Fé de Ofício, produção de sua lavra, [...] revela sua fé de peregrina beleza cristã.

De 1848 em diante reinou a tranquilidade em todo Brasil, graças à colaboração pacificadora do Duque de Caxias. Deu todo o apoio à elite agrária do café, conseguindo com isso que o país fosse o maior produtor mundial, sendo a rubiácea a responsável por 88% da renda da economia nacional. Deve-se ressaltar que D. Pedro deu muito pouco ou nenhum apoio aos industriais, fazendo assim o desejo dos cafeicultores, de que o país se dedicasse apenas à agricultura e mantivesse ainda por muitos anos o braço escravo. Mesmo assim, ele conseguiu que o Brasil alcançasse considerável progresso e se projetou no conceito das nações civilizadas.

Dentre suas conquistas, algumas vencendo grandes resistências internas, ressaltamos as seguintes: supressão do tráfico de escravos em 1850, atendendo às pressões da Inglaterra; a construção da primeira estrada de ferro da América Latina, em 1854, iniciativa do Barão de Mauá; a primeira linha telefônica da América Latina, em 1879; os três convites para árbitro de importantes litígios internacionais [...].

[...] Em nenhum momento o Imperador usou de sua vasta cultura para solucionar [...] problemas, deixando tudo nas mãos de políticos que só complicaram ainda mais o frágil sistema do governo imperial.
[...]
O soberano filósofo tinha por predileção o estudo e a leitura. Suas feições morais o faziam repudiar os favoritos [da corte] e ter natural aversão pelos turibulários [bajuladores]. Compreensivo e equilibrado, colocava acima de tudo o dever.

[Trecho do artigo "Os 120 anos da morte de D. Pedro II, o maior brasileiro do século XIX", do Prof. Milton Teixeira, em Folha Cultural, Rio de Janeiro: edição nº 124, dez. 2011, pp. 8-9, com adições]

Foto de D. Pedro II por volta do 61 anos (c.1887).

O Imperador empenhou-se em conciliar os interesses das elites. Adepto de rígida disciplina, perseguia os políticos acusados de "conduta moralmente irregular".

Considerava-se o funcionário público número 1 do Brasil, cumprindo com zelo suas obrigações burocráticas. Nas horas vagas, dedicava-se à leitura, granjeando fama de erudito e protetor de artistas e intelectuais, correspondendo-se no exterior com personalidades como Pasteur e Wagner.

Preferindo "governar e não reinar", D. Pedro amparou-se num regime parlamentar inspirado nos moldes ingleses. O Imperador nomeava o presidente do Conselho de Ministros, e este escolhia o Ministério, compondo o Poder Executivo. Nas eleições, restringindo o direito de voto e recorrendo à fraude, as elites agrárias compunham a Câmara, que desempenhava - junto com o Senado vitalício - o Poder Legislativo. Quando havia divergências entre o Gabinete e a Câmara, o Imperador dissolvia-os, exercendo o poder moderador [garantido pela Constituição de 1824].

Revezando gabinetes moderados de conservadores e liberais [dois partidos formados por uma mesma elite de fazendeiros, comerciantes, militares e profissionais liberais], reinou por quase cinquenta anos. A relativa estabilidade política de seu governo só seria abalada na década de 1870, quando o país começou a sentir os efeitos da Guerra do Paraguai.

[Nosso Século Brasil, vol. 1, p. 18, com adição e modificação] 

Entre 1864 a 1870, o longo Segundo Império ou Reinado (1840-1889) começou a sofrer abalos que levaram-no ao fim. Os artífices, como o esperado, foram os mais fortes setores da sociedade brasileira do século XIX.


Bandeira do Segundo Reinado (original do acervo do Instituto Histórico da Bahia) com bordados em ouro e prata. Notam-se que o losango amarelo, o fundo verde e os ramos de café e tabaco, antigas riquezas agrárias, ainda persistem na bandeira nacional e no brasão da República atual. Todos esses elementos surgiram oficialmente após a Independência (1822).
Entre o século XVI e XIX, até serem substituídos pelo café, como principal produto agroexportador, o açúcar da cana era enviado à Europa e o tabaco era trocado por escravos negros na costa da África. A cana-de-açúcar, nativa da Ásia, foi trazida por Gonçalo Coelho em 1502. Além do açúcar, a cana produz a aguardente ou cachaça, que passou a ser considerada um símbolo de resistência nacional, já que, durante o período colonial, sua produção e comercialização foram restringidas para favorecer a aguardente portuguesa (bagaceira). Conta a história que Tiradentes, em seu último desejo, quis beber um pouco da cachaça Boavista, que até hoje é produzida nos alambiques da família dele.

O Abalo do Clero Católico

Tudo começou com o choque entre Igreja e Estado: a prisão dos bispos de Olinda e Belém, por não acatarem a norma de D. Pedro II (que era maçom) em manter membros da maçonaria nos setores eclesiásticos (prática proibida pelo Papa Pio IX). Os bispos foram logo anistiados, porém o acontecimento pôs muitos religiosos contra o Imperador. O clero nada mais fez para manter a monarquia.


Casamento de Escravos de um Família Rica (c.1820), de Jean Baptiste Debret.
A vida da sociedade brasileira passava obrigatoriamente pelas mãos da Igreja Católica, que por séculos foi a religião oficial do país. Grande parte da educação e administração pública esteve sob a responsabilidade do clero, como a oficialização de nascimentos (através dos batizados), casamentos e falecimentos, todos registrados em livros mantidos em paróquias e demais locais (após a proclamação da República, surgiu o Estado laico, separado da Igreja, responsável oficial de tais registros civis, através de cartórios). Muitos clérigos também detinham cargos públicos, os quais, por vezes, pouco se ocupavam com os ofícios religiosos. Por isso havia uma influência política decisiva deles sobre as demais autoridades e a população em geral (fiéis). Nessa época, fazia-se política nas homilias do púlpito.

O Abalo dos Escravocratas

Em 1845, através da lei Bill Aberdeen, a Marinha britânica - a mais poderosa armada do século XIX - recebeu poderes para apreender qualquer navio negreiro que zarpava da África rumo ao Brasil. Essa foi a retaliação pela não renovação dos tratados de 1810, que garantiam amplas vantagens à Inglaterra no comércio com o Brasil.

A abolição da escravidão no Brasil foi muito desejada pelas nações industrializadas, visto que 80% da população era formada por cativos sem significativo poder de compra. Porém, o país ainda manteve a escravatura como principal mão-de-obra por muitas décadas, e, vergonhosamente, foi o último país americano a aboli-la.

Atendendo as pressões dos britânicos (donos das empresas instaladas no país que detinham a maior parte das exportações), o Governo Imperial Brasileiro assinou, em 1850, a Lei Eusébio de Queiroz, que cessou o abastecimento de escravos africanos para o Brasil.


Uma das primeiras fotografias do Palácio de São Cristóvão (c.1869-78), residência de D. Pedro II no Rio de Janeiro (RJ). Nela percebe-se que os escravos negros, cuidando do jardim, simbolizavam a base da força de trabalho do Império Brasileiro.

Porém, o tráfico negreiro, apesar do franco declínio, continuava ilegalmente e entre as províncias (do decadente Nordeste para o Centro-Sul). O governo, então, aos poucos deu seguimento ao processo de libertação dos escravos com as leis do Ventre Livre (1871) e do Sexagenário (1885).

Em 1875, uma crise econômica mundial abaixou os preços do café, iniciando um período de instabilidade econômica e política, agravada pela enorme dívida com a Inglaterra, que havia emprestado capitais para financiar a Guerra do Paraguai. A crise enfraqueceu os poderes conservadores do Império e abriu caminho para futuras e significativas mudanças.

A Lei Áurea (1888) assinada pela filha do monarca, contrariou diversos membros da arcaica cafeicultura e demais elites agrárias escravistas, que não foram indenizadas após a libertação dos negros cativos.




Pena de ouro com estojo ofertada à Princesa Isabel pela assinatura da Lei Áurea.
Acervo do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro (RJ).
A Princesa Isabel aboliu a escravatura no Brasil como regente interina (D. Pedro II havia se afastado do trono em viagem à Europa). A norma tinha fins humanitários e econômicos (principalmente por parte dos países industrializados, que precisavam de mais mercados consumidores para vender seus produtos). A Lei Áurea, contudo, não aboliu a desumana exploração dos negros libertos, pois não determinou leis trabalhistas complementares (até hoje há pessoas trabalhando sob regime escravo ou semi-escravo).

O Abalo dos Militares

Após a Guerra do Paraguai (1865-1870), o Exército brasileiro retornou mais organizado e fortalecido no contexto político e armamentista. Os militares não suportavam mais o retrógrado Estado monarquista e escravista, que os desvalorizavam. Desejavam modernizar a nação instaurando uma república.


A Batalha do Avaí (1877), de Pedro Américo.
Acervo do Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro (RJ).
A Guerra do Paraguai foi um grande desafio ao Exército Brasileiro, no início pequeno, desorganizado, pouco armado e despreparado em comparação aos paraguaios. Graças a esforços próprios (e com o auxílio de armamentos britânicos, comprados a peso de ouro pelo Império, fato que elevou bastante a dívida externa), os brasileiros conseguiram superar as grandes limitações e saíram do conflito como uma poderosa força militar do continente sul-americano. A maior parte das baixas do Brasil foi formada por negros, que se alistaram, a fim de conseguir a alforria, ou, por obrigação, ao tomar o lugar dos filhos convocados dos senhores.


O Exército imperial, que até então recrutava seus escalões superiores na elite escravocrata, teve de abrir seus quadros a outras parcelas da população, recrutando filhos de uma nascente classe média para posições de comando, e milhares de negros alforriados para os escalões inferiores, o que o tornou permeável às ideias abolicionistas e republicanas. A própria organização do Exército imperial foi alterada no esforço de guerra, pois antes ele não passava de um desarticulado corpo de milícias regionais. Tornou-se preciso unificá-lo, dando-lhe âmbito nacional.

[Nosso Século Brasil, vol. 1, p. 19, com modificação]

Ademais, os militares eram proibidos de se manifestarem político e publicamente, sob a ameaça de serem punidos, inclusive com prisão. Tais punições eram reprovadas por diversos oficiais, entre eles estava o Marechal Deodoro da Fonseca. Em 1886, por se recusar a punir um subordinado - o Tenente-coronel Sena Madureira (que criticou o governo na imprensa) - Deodoro foi deposto do cargo de presidente e comandante de armas da província do Rio Grande do Sul. O fato abalou a fidelidade do Marechal ao Império, e reverberou em sua decisão em prol da Proclamação da República, três anos depois.


Tenente-coronel Antônio de Sena Madureira (1841-1889).
Oficial, nascido em Recife (PE), veterano da Guerra do Paraguai e um dos estopins da Proclamação da República. Hoje há uma cidade no Acre em seu nome. 

O Abalo dos Novos Setores Sociais


A segunda metade do século XIX deu início a expansão da cafeicultura no Sudeste. Para suprir a falta de mão-de-obra escrava, os latifundiários e o governo passaram a investir na importação de trabalhadores assalariados, sobretudo da Europa. Territórios correspondentes à Itália e Alemanha atuais (que, seguidos das nações eslavas, forneciam o maior contingente de imigrantes) estavam sofrendo violento processo de unificação.

Expulsos de suas terras pelas guerras, famílias de camponeses e operários vieram para o Brasil em busca de trabalho. Esses trabalhadores diferenciados foram determinantes ao processo tardio de industrialização, que influenciou a derrubada da monarquia.

Em 1873, surgiu o Partido Republicano Paulista (PRP) demonstrando o descompasso entre a modernização do Oeste paulista e o imobilismo burocrático do poder centralizado na Corte do Rio de Janeiro. Diversos cafeicultores da província de São Paulo utilizavam ferrovias e mão-de-obra assalariada na produção, aliados ao começo do interesse pela industrialização. Assim sendo, os abastados paulistas do café aderiram à causa republicana, que buscava uma federação: autonomia aos Estados-membros.


Foto de fazenda de café paulista com trabalhadores livres, principalmente de imigrantes (séc. XIX-XX).
No Segundo Reinado, a economia do país (essencialmente agrária e voltada à exportação) deixou de focar nos arcaicos engenhos de cana (sobretudo do litoral nordestino), fazendas de algodão e tabaco, e dirigiu-se aos mais rentáveis cafezais (mais uma monocultura em latifúndios) do interior fluminense e paulista.

Os setores médios urbanos (antecessores da classe média do século XX) não detinham participação política e viam no republicanismo oportunidades para serem eleitos a cargos políticos e votarem, já que o voto durante o Império era censitário: os eleitores deveriam ter um alto nível de renda (elitização do poder).


A foto da revista Fon-Fon, de 1909, retrata os intelectuais da classe média urbana do início do século XX na calçada de um café. Alguns nomes ilustres: Coelho Neto (literatura), Medeiros de Albuquerque (política) e Thomaz Lopes (diplomacia).

O romper da República era inevitável.

Nasce a República: a Proclamação


Detalhe de O Último Baile da Ilha Fiscal (1905), de Aurélio de Figueredo.
Acervo do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro (RJ).
O último baile do Império, ocorrido em 09 de novembro de 1889, seis dias antes da Proclamação da República, foi oferecido pelo Visconde de Ouro Preto à nação chilena e seus comandantes e oficiais, através do encouraçado Almirante Cochrane, que se encontrava atracado na Baía de Guanabara. O evento ocorreu como forma de agradecimento à recepção do navio brasileiro, quando este esteve no Chile. No céu, vemos as alegorias da monarquia (representada por clérigos e nobres, à direita) se dirigindo ao poente, enquanto que, junto com a alvorada (no alto, à direita), aproximam-se as alegorias da república portando a atual bandeira nacional.


A Ilha Fiscal (antiga Ilha dos Ratos), uma pequena elevação rochosa próxima ao principal porto da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, foi utilizada como posto alfandegário durante a última fase do Segundo Reinado. O palacete, que foi inaugurado em 27 de abril de 1889, é um projeto arquitetônico de Del Vecchio. D. Pedro II, desejando que a construção não contrastasse com a paisagem de fundo da Serra do Mar, chamou o palacete de "delicado relicário, digno de uma brilhante joia!"

No final de 1888, D. Pedro II, já enfraquecido fisicamente pelo envelhecimento precoce, nomeou para primeiro-ministro o Visconde de Ouro Preto. Este lançou um projeto de reformas políticas inspirado em ideias republicanas, a fim de tentar salvar a monarquia. Porém, o Parlamento, repleto de deputados tradicionalistas desejosos em manter seus privilégios, recusou o projeto. A crise gerou o fechamento do Legislativo e a convocação de novas eleições.


Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto (1836-1912)
Político monarquista mineiro. Quando Ministro da Fazenda, criou um imposto sobre a passagem dos bondes, fato que deflagrou, na Corte do Rio de Janeiro, a popular Revolta do Vintém (1880).


Nos últimos quinze anos de seu reinado, D. Pedro II aferrou-se à disciplina burocrática, procurando abster-se de decisões. Os novos tempos traziam mudanças que ele não conseguia acompanhar. [...].

D. Pedro II tentava acompanhar essas mudanças e ao mesmo tempo manter-se fiel à elite. Mas seu desempenho era tímido [...].

[...] A mais importante parcela da elite, a que se modernizava voltando-se para a indústria e o comércio, já não confiava nele [...]. E no Exército surgiram protestos contra o atraso do regime e contra os baixos soldos.

[Nosso Século Brasil, vol. 1, p. 24]

Republicanos aproveitaram o momento para espalharem o boato que o Império iniciaria uma violenta repressão ordenando a prisão de vários oficiais do Exército, incluindo Deodoro e Benjamin Constant, feroz opositor da monarquia.


Foto nítida do Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (1827-1892).
Diferente de D. Pedro II, o Marechal, alagoano, possuía traços físicos mestiços, típicos da maior parte do povo brasileiro. Apresentava-se, oficialmente, com suas condecorações de herói de guerra.

Na noite de 14 de novembro de 1889, unidades militares estacionadas no bairro carioca de São Cristóvão rebelaram-se. Ao alvorecer, marcharam para o centro da cidade. Sob o comando do Marechal Deodoro, as unidades se uniram às do Quartel Central do Exército (atual Palácio Duque de Caxias) que ficava próximo. Dessa forma, Deodoro, através de um golpe de Estado, deu por proclamada a República do Brasil, mesmo frente ao desconhecimento da maior parte da população, que pensava se tratar de uma simples parada militar (a época é comicamente representada no conto O Velho Lima, de Artur Azevedo). À tarde, na Câmara Municipal, José do Patrocínio oficializou a República.


O atual Museu Nacional de História Natural da UFRJ já foi o Palácio Imperial da Quinta da Boa Vista. No local, residiram, desde D. João VI, todos os regentes do país.


Proclamação da República (1893), de Benedito Calixto. 
Acervo da Pinacoteca Municipal de São Paulo (SP).

A Proclamação da República aconteceu no antigo Campo de Santana ou da Aclamação (nome em homenagem à aclamação de D. Pedro I, em 1822), na região dos Cajueiros (área limítrofe entre a zona urbana e rural da cidade, que até o século XVIII era repleta de cajueiros), nos arredores da atual Praça da República, da Estação Ferroviária da Central do Brasil e do Quartel-General do Comando Militar do Leste (Palácio Duque de Caxias), Rio de Janeiro (RJ).

Deodoro da Fonseca residia na região do Campo de Santana, atual Praça da República, onde hoje está seu museu: Casa de Deodoro (na foto).

A notícia forçou o retorno de D. Pedro II, que estava na cidade serrana de Petrópolis (RJ): estada de veraneio da Família Imperial. O Imperador e seus parentes tiveram que deixar o país em 24 horas em exílio à Europa. O regente recém-deposto recusou rico auxílio oferecido pelo Tesouro (pediu apenas um saco cheio da “terra que tanto amava”, a fim de cobri-lo ao baixar da campa). Deodoro e demais republicanos, que muito lhe deviam, sobretudo pelo apoio filantrópico dado aos estudos, preferiram não comparecer à despedida do ex-monarca.


Gravura da Família Imperial. Principais membros: D. Pedro II (em pé, de barba branca), a Imperatriz D. Teresa Cristina (sentada ao canto direito), a Princesa Isabel (ao lado do Imperador) e o Conde d'Eu (em pé, ao lado da Princesa).


No dia 16 de novembro de 1889, o Imperador recebeu um documento do comandante da Cavalaria aconselhando seu exílio. No mesmo dia redigiu a resposta. Eis o trecho final: Ausentando-me, pois, eu com todas as pessoas da minha família, conservarei do Brasil a mais saudosa lembrança, fazendo ardentes votos por sua riqueza e prosperidade [Nosso Século Brasil, vol. 1, p. 24].


Seu desmedido amor ao Brasil foi tão intenso quanto a dedicação que lhe devotou no labor extenuante e no esforço empenhado nos seus 49 anos de governo. No exílio, jamais criticou os republicanos que lhe tiraram a coroa [Trecho do artigo "Os 120 anos da morte de D. Pedro II, o maior brasileiro do século XIX", do Prof. Milton Teixeira, em Folha Cultural, Rio de Janeiro: edição nº 124, dez. 2011, p. 9, com adição].

Os Moldes Republicanos

Após a morte da monarquia, logo seriam observadas divergências entre forças republicanas, sobretudo entre cafeicultores paulistas e militares, visto que cada qual apresentava projetos distintos. Os primeiros anos da República, de 1889 a 1894, foram marcados por governos militares fortes, a fim de evitar possíveis contragolpes monárquicos. Antes mesmo de novembro de 1889, existiam três projetos republicanos principais:

O Projeto Liberal

Encabeçado pela elite do café paulista, a favor da descentralização do poder ou federalismo republicano (autonomia relativa aos Estados-membros inspirada no modelo estadunidense). Além disso, achavam que o Estado deveria apenas administrar os interesses privados (liberalismo). Desejavam que, em São Paulo, os latifundiários cafeicultores pudessem gerir a economia, inclusive sob o ponto de vista da administração pública. Tal ideal prevaleceu na maior parte da República Velha (1889-1930).


Embarque de sacas do café paulista no porto de Santos (início do séc. XX).
Trem transportando o café paulista (séc. XIX-XX).

O Projeto Jacobino ou Popular

Modelo defendido por parcelas da população urbana, incluindo uma baixa classe média (pequenos comerciantes e funcionários) e setores urbanos eruditos (jornalistas e profissionais liberais como médicos, advogados e professores). Inspirados nos jacobinos, da Revolução Francesa de 1789, exigiam o sufrágio universal (voto direto), visavam os interesses populares, e não apenas os da alta burguesia (de projeto liberal), e desejavam que a maior parte da população participasse da administração pública.


A Liberdade guiando o Povo (1830), de Eugène Delacroix.
Acervo do Museu do Louvre, Paris.
O nome "jacobino" surgiu devido às reuniões secretas do Clube Jacobino, situado num convento dominicano da rua Saint Jacques, Paris. Muitos dos integrantes eram das classes populares e combatiam o Antigo Regime (representado pelo alto clero e a nobreza). Na época da 1ª República Francesa, o partido jacobino foi composto por revolucionários mais exaltados (daí o sinônimo de "radical" para jacobino).

O Projeto Positivista

Baseado na filosofia do francês Auguste Comte, esse projeto tinha aceitação ampla dentro do Exército Brasileiro daquele período, sobretudo entre os jovens oficiais das escolas militares. Acreditava-se que o progresso deveria ser alcançado a qualquer custo (inclusive utilizando a força), mas sempre dentro da ordem, daí o papel do Estado como promotor de um governo forte e bem centralizado. Em verdade, ditava uma “ditadura republicana”.


Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798-1857).
O criador do positivismo, a exemplo de muitos dos seus admiradores brasileiros, estudou (sem graduar-se) num instituto militar de ensino técnico superior (École Polytechnique, de Paris). Sua doutrina só foi mais aceita no Brasil. Fundou também a Religião da Humanidade, que ergueu alguns templos seculares também aqui. Sua racionalidade não o salvou de crises mentais tratadas pela psiquiatria (chegou a ser internado).

A República da Espada (1889-1894)
O Palácio Itamaraty do Rio de Janeiro, próximo à Praça da República, foi a sede do primeiro governo republicano.
Erguido em 1855 para ser a residência do Conde de Itamaraty, esse imóvel de estilo neoclássico foi comprado em 1889 pela recém-formada república. Em 1897, a sede do governo foi transferida para o Palácio do Catete e o local passou a sediar o Ministério das Relações Exteriores (até a inauguração do palácio homônimo em Brasília em 1970).

O projeto positivista prevaleceu durante os primeiros cinco anos da República Brasileira (responsável pela inscrição “Ordem e Progresso” na Bandeira Nacional). O positivismo brasileiro foi forjado nas instituições de ensino militar (únicos centros de ensino técnico superior do país na época), sobretudo na instituição da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro (RJ). Nesta academia, Benjamin Constant definiu a ideia peculiar do cidadão positivista: os direitos civis e sociais nunca deveriam surgir a partir da livre manifestação dos indivíduos, seja no contexto legal (parlamento) ou revolucionário, pois cabia somente ao Estado promover o progresso.


Foto de c.1888 da Escola Militar da Praia Vermelha. O longo prédio foi derrubado e atualmente há, em cada canto da praia, o Instituto Militar de Engenharia (IME) e a Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME).

Foto de 1889 do engenheiro militar, professor de matemática, político e principal filósofo positivista brasileiro Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), que assumiu a pasta do Ministério da Guerra do governo provisório de Deodoro da Fonseca. Apesar de veterano da Guerra do Paraguai, pela foto percebe-se que estava pouco confortável em seu uniforme. Recebeu dos pais o nome do ilustre político, escritor e pensador franco-suíço (Henri-Benjamin Constant de Rebecque), de quem herdou a afinidade de ser mais filósofo do que militar. Faleceu no mesmo ano da morte de D. Pedro II e no ano anterior a do amigo Deodoro. 

Os Primeiros e Difíceis Passos da Jovem República

O Marechal Deodoro subiu ao poder do Governo Provisório (1889-1891) cercado de militares positivistas. Tais auxiliares viam com desconfiança os políticos e servidores civis, apelidados por eles de “casacas” (pela vestimenta que usavam), os quais eram considerados corruptos e antipatrióticos.

A formação de Deodoro tinha pouca preparação político-administrativa, pois o Marechal era um oficial troupier, isto é, sua carreira foi formada mais marchando entre as tropas, do que nos bancos das escolas ou gabinetes miliares. Dessa forma, levou para o governo uma rígida disciplina, pois, apesar de ter boa índole, estava acostumado a ordenar e ser prontamente obedecido. Tal autoritarismo descontentava os setores civis, principalmente os poderosos cafeicultores paulistas.

Logo no início, o Encilhamento, com Rui Barbosa na pasta do Ministério da Fazenda, levou o governo a uma crise econômica sem precedentes. Foi uma tentativa ingênua de estimular a industrialização nacional (intenção que desagradou os cafeicultores e demais elites agrárias tradicionais), pois consistia em emitir livremente papel-moeda, inclusive sem lastro em ouro, a fim de desenvolver o consumo e os investimentos industriais, mas a medida levou à especulação financeira generalizada e à alta inflação.


Rui Barbosa de Oliveira (1849-1923).
Jurista, escritor, diplomata, filólogo e político baiano. Conheceu grandes vultos na juventude como Castro Alves e José Bonifácio (o Moço). Apesar da grande afinidade às Leis e diplomacia internacional, pouco experiência tinha com economia pública. Tentou eleger-se presidente da República várias vezes sem obter sucesso (talvez, em parte, devido à "nódoa" deixada pelo Encilhamento). 


A foto mostra uma confusão formada por investidores falidos à porta dum banco no centro do Rio de Janeiro (RJ).
"Encilhar" é o ato de colocar a cilha (cinta) na cavalgadura para prender a sela ou a carga. No hipódromo, trata-se do preparativo para entrar com o cavalo na pista. Analogamente, o verbo remetia à agitação que dominavam os jóqueis durante as corridas e à jogatina (apostas). O mesmo aconteceu com a política econômica do governo.

Porém, Deodoro conseguiu determinar, entre outras coisas, a extinção das instituições imperiais garantidas pela Constituição de 1824, o banimento da Família Imperial, a separação entre Igreja e Estado, a cidadania a diversos estrangeiros residentes no Brasil (a exemplo dos imigrantes italianos, trabalhadores assalariados das fazendas de café paulistas) e a convocação de Assembléia Constituinte para setembro de 1890.

A 1ª Constituição republicana, de 1891, denominou o país de "República dos Estados Unidos do Brasil", baseando-se no modelo estadunidense (o atual nome “República Federativa do Brasil” foi dado pela Constituição de 1967). Deixou como herança algumas determinações que chegaram à Magna Carta atual, como o federalismo, a autonomia relativa entre os Três Poderes e a elaboração dos Códigos Civil e Penal pelo governo federal.


Novos Símbolos Nacionais: Bandeira e Hino Republicanos


Bandeira encomendada por Rui Barbosa, líder dos civis republicanos. Perdurou apenas de 15 a 19 de novembro de 1889. Nítida inspiração do pendão nacional estadunidense. A 1ª bandeira da República serviu de base aos pendões estaduais de Goiás, Piauí e Sergipe.   

A inscrição da Bandeira foi inspirada nas palavras de Comte: O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim.


A música do Hino Nacional Brasileiro foi composta em 1822, ano da independência do país, por Francisco Manuel da Silva (1795-1865), mas a letra cantada atualmente, oficializada em 1909, de autoria de Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927), só recebeu a forma atual em 1922, no centenário da Independência, por decreto do Presidente Epitácio Pessoa. O hino, durante a monarquia, havia recebido duas letras, em cada respectivo Reinado. Logo após a Proclamação da República, foi aberto um concurso para a escolha de novo hino. Foi escolhida a música de Leopoldo Miguez, com letra de Medeiros e Albuquerque. Entretanto, por causa da repulsa do público (inclusive do Mal. Deodoro) - que há tempos simpatizava com a antiga melodia - o hino de Miguez tornou-se o da Proclamação da República. A letra de Duque Estrada, em versos dodecassílabos de estilo parnasiano (estética poética em voga na época da composição), havia vencido um concurso nacional para tal fim em 1906.

Eis a letra original antes das modificações de 1922 (o Hino Nacional ficou por 20 anos sem letra oficial, executava-se apenas a parte instrumental):


I
Ouviram do Ipiranga as margens placidas
Da Independência o brado retumbante,
E o sol da liberdade, em raios fulgidos,
Brilhou no céu da patria nesse instante.

Se o penhor dessa igualdade
Conseguimos conquistar com braço forte,
Pelo amor da Liberdade
Desafia o nosso peito a propria morte!

Ó Pátria amada,
Idolatrada,
Salve, salve!

Brasil, um sonho intenso, um raio vívido
De amor e de esperança à terra desce.
Escudo em teu céu azul, risonho e limpido,
A imagem do Cruzeiro resplandece.

Gigante pela propria natureza,
És belo, és grande, impavido colosso,
E o teu futuro espelha essa grandeza!
Terra adorada
Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó Patria amada!
Dos filhos de teu flanco és mãe gentil,
Patria amada,
Brasil!

II
Deitado eternamente em berço esplendido,
Entre as ondas do mar e o céu profundo,
Fulguras, ó Brasil, jóia da América
Iluminada ao sol do Novo Mundo!

Do que a terra mais garrida,
Teus risonhos, lindos campos tem mais flores,
"Nossos bosques têm mais vida,"
"Nossa vida," no teu seio, "mais amores!"

Ó Patria amada,
Idolatrada,
Salve, salve!

Brasil! Seja de amor eterno símbolo
O pavilhão que ostentas estrelado,
E diga o verde louro dessa flamula:
Paz no futuro e gloria no passado.

Mas da Justiça erguendo a clava forte,
Verás que um filho teu não foge à luta
Nem teme, quem te adora, a propria morte,
Terra adorada
Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó Patria amada!
Dos filhos de teu flanco és mãe gentil,
Patria amada,
Brasil!

Fonte: http://imperiobrazil.blogspot.com.br/2010/08/hinos-do-brasil.html

O maior avanço democrático da nova Magna Carta foi o fim do voto censitário, permitindo, assim, o tão aguardado sufrágio universal. No entanto, também havia enormes diferenças, como a vedação ao direito de voto às mulheres e analfabetos, e o voto aberto ou não secreto. Além disso, o 1º presidente da República, com mandato de 4 anos, foi eleito indiretamente pela Assembléia Constituinte. Isso ocorreu com Deodoro. O 1º presidente, embora autoritário por hábito, deveria, por lei, se submeter a um congresso controlado pela oligarquia do café.


Juramento Constitucional (c.1891), de Aurélio Figueiredo.
Acervo do Museu da República, Rio de Janeiro (RJ).
Alguns vultos da pintura: Deodoro da Fonseca (fardado e com o livro do juramento a mão) toma posse da Presidência da República. À direita dele (também de farda) o vice, Floriano Peixoto. No canto esquerdo do quadro (logo abaixo de Floriano), José do Patrocínio. Ao lado esquerdo de Deodoro, presidindo a mesa, Prudente de Morais.

Os choques de interesses foram inevitáveis. Tentando serenar os ânimos, o presidente convocou para a pasta da Fazenda uma velha figura ligada às elites agrárias: o Barão de Lucena.


A escolha foi infeliz, pois Lucena chefiou a Guarda Nacional monarquista. Tanto militares positivistas quanto cafeicultores paulistas, temeram um possível retorno à monarquia, através de outro golpe de Estado.


Frente à oposição aberta, Deodoro fechou o Congresso e ordenou a prisão de opositores. No entanto, os principais oposicionistas (entre eles os futuros presidentes civis ligados aos cafeicultores paulistas, Prudente de Morais e Campos Sales) escaparam do cárcere e articularam um contragolpe.


Henrique Pereira de Lucena, o Barão de Lucena (1835-1913).
O pernambucano Lucena personificou para Deodoro "o tiro que saiu pela culatra".

Alguns Estados-membros pegaram em armas. O vice-presidente, Marechal Floriano Peixoto, organizou também uma resistência no Exército. Trabalhadores da Estrada de Ferro Central do Brasil fizeram uma greve política (talvez a 1ª desse tipo do Brasil) em oposição ao Presidente. A Marinha, sob o comando do Almirante Custódio de Melo, atracou navios de guerra na Baía de Guanabara com os canhões apontados para a cidade.


Temendo uma carnificina (“dar mais viúvas ao país”, como afirmou na ocasião), Deodoro renunciou em novembro de 1891, cerca de nove meses após tomar posse: a presidência da Pátria foi-lhe uma “gestação complicada”.


Faleceu no ano seguinte de causas ligadas aos problemas respiratórios, que o acompanhavam há anos (seu ex-antagonista e amigo, D. Pedro II, antecedeu-lhe no mês após a renúncia, no exílio, em Paris).

Diferente de Deodoro, Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro, chegou ao fim do mandato (de forma inconstitucional) com o derramamento do sangue de patrícios, a exemplo da Revolta da Armada, de 1893 a 1894 (período retratado por Lima Barreto em O Triste Fim de Policarpo Quaresma) e da Revolução Federalista, de 1893 a 1895.


Marechal Floriano Vieira Peixoto (1839-1895).
Militar conterrâneo de Deodoro, alagoano (12 anos mais jovem). Ascendeu rapidamente na carreira militar ao destacar-se ainda jovem na Guerra do Paraguai. Dentre outros cargos, foi presidente da província de Mato Grosso. Na época da Proclamação da República, esteve responsável pela segurança do gabinete do primeiro-ministro, o Visconde de Ouro Preto (quando recusou-se a prender os revoltosos invasores, alegando que não eram paraguaios, mas "irmãos da pátria").

Tornou-se o 2º Presidente da República com a renúncia de Deodoro. Contudo, desobedeceu a Constituição de 1891, que determinava eleições presidenciais em caso de renúncia do chefe de Estado. Pela extrema violência que empregou ao calar os adversários (inclusive com inúmeras prisões e execuções secretas e sem julgamento), foi apelidado de "Marechal de Ferro". Pela aparência enigmática, foi chamado também de "A Esfinge" (a qual "devorou" diversos inimigos seus). Após derrotar a Revolução Federalista em Santa Catarina, a capital, antiga Ilha do Desterro, passou a chamar-se Florianópolis.

Um dos poucos atos realmente populistas de Floriano foi a diminuição dos impostos sobre os alimentos, fato que diminuiu os preços deles. Porém, juntamente com melhorias urbanas que só beneficiaram a capital federal, era apenas uma forma de "presentear" o povo, pois este não tinha acesso ao poder.

Depois de passar a presidência ao civil Prudente de Morais, faleceu no ano seguinte, na calmaria de sua propriedade no interior do Estado fluminense.

...morreu às 17horas do dia 29 de junho de 1895 na Fazenda Paraíso, em Barra Mansa, de uma esclerose hepática hipertrófica. Segundo atestado passado pelos médicos Pedro Nolasco Buarque de Gusmão, Carlos Augusto de Oliveira e Manoel Fernandes da Silva. Seu corpo foi embalsamado e trasladado para o Rio de Janeiro, onde foi sepultado.

[fonte: http://ritaefrank.blogspot.com.br/2012/08/de-que-doenca-faleceu-o-marechal.html]

Tinha apenas 56 anos.

O Amargo Legado do Café


O Palácio do Catete, atual Museu da República.
Construído em 1858 para ser a residência do Barão de Nova Friburgo no Rio de Janeiro, então sede da corte imperial de D. Pedro II. Como era o mais belo palacete da cidade, em 1897 o Governo Federal adquiriu o imóvel (também chamado, a partir de 1910, de Palácio das Águias ou Harpias). O primeiro presidente a residir foi Prudente de Moraes e o último Juscelino Kubitschek, que, em 1960, transferiu a Capital Federal para Brasília-DF.

Em 1894, Floriano foi sucedido pelo paulista Prudente de Moraes (1841-1902), o 1º presidente civil do Brasil, que iniciou a “República Oligárquica ou do Café com Leite” (1894-1914), nome pelo qual ficaram conhecidos os governos federais que representaram apenas interesses das oligarquias ou plutocracias agrárias, latifundiárias, monocultoras e exportadoras, principalmente do café.


Foto do embarque do café no porto (início do século XX).

Nesse período, o bem-estar e a participação político-administrativa da maior parte da população foram praticamente desprezadas, enquanto as elites se revezavam no poder, sobretudo entre SP, MG e RJ. A insatisfação popular – Guerra de Canudos (1896-97), Revolta da Vacina (1904), da Chibata (1910), Guerra do Contestado (1912-16) etc. - semelhante ao governo de Floriano, foi combatida com extrema violência.


Prisioneiros da Guerra de Canudos (foto de 1897): a maioria composta por mulheres, velhos e crianças, pois os demais estavam mortos. Sobre esses sobreviventes, segundo Euclides da Cunha, em Os Sertões (1902), misteriosamente nunca mais se teve notícia.
Os governos republicanos nunca divulgaram números oficiais de suas vítimas, pois muitas foram mortas ilegalmente. Estimam-se que 20 mil revoltosos morreram em Canudos (BA); cerca de 30 na Revolta da Vacina (no Rio de Janeiro-RJ); mais de 500 na Revolta da Chibata (também no Rio); entre 5 mil a 8 mil mortos, feridos e desaparecidos na Guerra do Contestado (no PR e SC). Os dois conflitos anteriores, a Revolta da Armada (no Rio) e a Revolução Federalista (RS), geraram juntos cerca de 10 mil mortes (entre revoltosos, legalistas e civis inocentes).


O marinheiro de 1ª classe João Cândido Felisberto (1880-1969) (à direita na foto), dito o "Almirante Negro", foi o principal líder da Revolta da Chibata (1910), que protestava contra os castigos físicos dos oficiais (na maioria brancos) aos subalternos (em maior parte negros).

As guerras civis transformaram a República em uma espécie de Saturno, divindade que devorou os próprios filhos.

Diante dos distúrbios e levantes, o período republicano do final do século XIX e início do século XX ficou marcado pelos "Estados de Sítio ou de Exceção", ou seja, a preservação da ordem político-institucional, através da suspensão de direitos e garantias constitucionais, como o fechamento do Congresso.

As interpretações desse Estado, durante a década de 1890, lembraram, em parte, os moldes de república propostos na época da Proclamação. Foram quatro: a Liberal, de Rui Barbosa; a Jacobina, de José Isidoro Martins Júnior; a Puritana, de Quintino Bocaiúva; a Conservadora, de Campos Sales. Esta última interpretação prevaleceu e transformou o sítio em instrumento rotineiro de governo, empregado em benefício da dominação oligárquica.

A presidência de outro paulista, Campos Sales, de 1898 a 1902, foi a arquiteta do arranjo institucional com a "Política dos Governadores" ou "dos Estados", que deu certo grau de estabilidade ao sistema político. Entretanto, não significou maior equilíbrio de forças entre os governos estaduais ou ampliação dos direitos de cidadania (vide as figuras dominantes dos coronéis e jagunços, nas zonas ruais, e capoeiras, nas grandes cidades).


Manuel Ferraz de Campos Sales (1841-1913).
Um dos presidentes republicanos que personificaram as oligarquias do café paulista. Membro-fundador do Partido Republicano Paulista, o 4º presidente foi responsável por medidas que desgostaram os setores populares, como o imposto sobre o selo (fato que lhe rendeu o apelido de "Campos Selos"), e a retirada de circulação de papel-moeda (para tentar frear a forte inflação, mas que prejudicou o comércio interno).

Antigos aspectos sócio-políticos e antidemocráticos foram mantidos, como o coronelismo, apadrinhamento, nepotismo, voto de cabresto, política latifundiária, fraudes eleitorais etc. Estes elementos encontram eco até hoje na sociedade.



Fotos, do início do século XX, de coronéis e jagunços (força armada dos primeiros).
O coronelismo representou o "feudalismo moderno", pois o governo central, dependente da influência política e econômica dos latifundiários, pouco se fazia presente na maior parte do território nacional. Os coronéis eram o resquício dos aristocratas chefes das milícias locais da Guarda Nacional, criada em 1831, para manter a unidade do Império (as raízes talvez sejam mais antigas, datam dos donos das sesmarias e Capitanias Hereditárias da época colonial).

Um exemplo disso foi a guerra entre coronéis disputando terras na região da antiga Ilha de Tinharé ou Ilhéus (BA). Entre 1890 e 1920, tropas mercenárias sertanejas (jagunços e até militares da polícia e Exército) lutaram em sangrentas batalhas disputando espaços para a plantação do rendoso cacau (outra monocultura em voga voltada à exportação, além do café e da borracha natural). Diante desse "faroeste caboclo", o Estado, como de costume, fez vistas grossas: eram "repúblicas" dentro da República, visto que os grandes donos de terras "faziam as leis" e controlavam a administração local na prática, a exemplo das nomeações dos seus afilhados ou apadrinhados (nepotismo).

A República da Belle Époque e do Bota-abaixo 

No intuito de se equipar às grandes nações ditas "civilizadas", a República oligárquica recorreu a modelos europeus de desenvolvimento, com ênfase especial no modelo francês. O Rio de Janeiro, como capital federal, deveria servir de exemplo para o restante do Brasil, ser a vitrine do tão almejado progresso.

A Cidade Maravilhosa, entre os séculos XIX e XX, ainda conservava uma arquitetura colonial com precária infraestrutura, com antigos casarões transformados em cortiços, ruas estreitas e insalubres, muitas com valas abertas. O meio ideal para a propagação de epidemias, como a febre amarela, que desde a colonização grassavam pela cidade. Era o retrato do atraso que a República queria extirpar perante o mundo.

A tentativa da "mudança civilizatória" foi iniciada durante o governo de Campos Sales (1898-1902) e intensificada por Rodrigues Alves (1902-1906), que nomeou o famoso Pereira Passos (1836-1913). Este prefeito fluminense foi o primeiro a impulsionar os canteiros de obras da modernização urbana. Nitidamente baseado nas reformas da cidade de Paris, Passos tornou-se o "Haussmann dos Trópicos" (referência ao barão e prefeito que remodelou a capital da França, durante o império de Napoleão III).

A Reforma Urbana de Passos foi a principal marca da Belle Époque carioca. Antigos edifícios vieram ao chão (daí surgiu o popular termo "bota-abaixo"), ruas foram alargadas e novas praças e jardins foram criados. A remodelação teve na abertura da Avenida Central o seu mais notável símbolo. Com sua moderna iluminação e bondes elétricos, a arquitetura art noveau, combinada com o ecletismo presente nos diversos edifícios, tal avenida materializou o espírito republicano modernizador da época.


 A recém-aberta, em 1905, Avenida Central (atual Rio Branco, no Centro do Rio). O Theatro Municipal (à esquerda), feito de materiais nobres - como mármore, ônix e bronze - é quase uma cópia menor do L'Opéra de Paris. O palácio da Escola Nacional de Belas Artes (à direita), fundado em 1826, foi remodelado e hoje é o Museu Nacional de Belas Artes.


Av. Central, atual Rio Branco (c.1908).

As reformas e saneamentos do século XX renomearam a "Cidade da Morte" (apelido colonial por causa das epidemias) em "Cidade Maravilhosa", graças ao político e literato Coelho Neto.

A foto acima mostra o Pão de Açúcar (ao fundo no centro) e o Morro do Castelo (à esquerda). Este último sediou a ocupação definitiva da cidade, transferida do Morro Cara de Cão, a partir do século XVI. No alto deste morro, foi erguida uma fortificação (castelo) e um mosteiro e igreja jesuíta. Com o desenvolvimento urbano, ao longo dos séculos, os habitantes mais abastados foram residir em outras áreas; ficaram para trás os mais pobres. Visto como um obstáculo à modernização, a partir do início do século XX, o histórico morro foi sendo desmontado para abrir espaço à Avenida Central e aos imóveis mais valorizados. O progresso republicano botou abaixo até mesmo o antigo complexo arquitetônico dos jesuítas (o material do morro, que terminou de ser totalmente derrubado nos anos de 1930, foi usado para aterrar parte da Baía de Guanabara, com o intuito de abrir novas vias, a exemplo da Avenida Beira Mar).


Foto do desmonte do Morro do Castelo feito por enormes mangueiras d'água de alta pressão (c.1922).

A República da Belle Époque também modificou a esfera social, como a moda e os costumes. As varandas e salões coloniais foram abandonados em favor dos footing (palavra inglesa) ou da prática da flânerie (termo francês), ou seja, dos passeios pelas novas avenidas, palácios, praças e jardins, bem à moda parisiense. A burguesia flanava ostentando chapéus, bengalas, sombrinhas, espartilhos e demais modismos europeus vendidos em lojas de luxo - como nos já tradicionais estabelecimentos da Rua do Ouvidor - e divulgados nas revistas sociais e demais publicações.


 Mulheres da alta sociedade carioca na Expo de 1908.

As Grandes Vitrines da República

As grandes exposições mundiais, universais ou internacionais eram formas encontradas por países industrializados, para divulgarem, aos demais países amigos, o potencial de desenvolvimento, e, assim, fomentar, dentre outros benefícios, relações comerciais entre as nações participantes. Tais eventos surgiram na Europa em fins do século XVIII. As mais célebres foram a de Londres (1851) e Paris (1889, marcada pela inauguração da Torre Eiffel). O Brasil, embora pouco industrializado, participou de diversas delas entre o século XIX e XX, para divulgar, sobretudo os produtos agrícolas (a exemplo do café). Tais grandes "Expos" ainda são organizadas.
Durante a Primeira República, houve duas grandes exposições no Brasil, ambas na Capital Federal do Rio de Janeiro, em 1908 e 1922. A primeira, nacional (com participação de Portugal), em comemoração ao centenário da Abertura dos Portos e a segunda, internacional (com 14 países), pelos cem anos da Independência.
Nas duas "Expos", os belos e imponentes pavilhões temporários sobre os Estados brasileiros e países convidados - que foram erguidos na Urca e a Praia Vermelha (1908) e no Centro (1922) - visavam mostrar a todos o quão desenvolvido estava o Brasil, e o futuro promissor do progresso republicano. Alguns dos temas dos pavilhões eram ciências e artes; mecânica; eletricidade; engenharia civil e transporte; agricultura; mineração e metalurgia; decoração e mobiliário; tecidos e vestuários; indústria química; higiene e assistência; comércio e esportes.



  






As confeitarias e cafés - como também os restaurantes de hotéis, clubes e cassinos - satisfaziam os prazeres da sofisticada culinária francesa. O inglês e, sobretudo, o francês passaram a ser as demais línguas da burguesia, desde a segunda metade do século XIX. Assistiam-se as partidas de football, andava-se de carro com chauffeur, lia-se sob a luz do abat-jour o menu (com ou sem o auxílio do pince-nez) nomes das iguarias do buffet, como foie gras, ceuis broulliés aux truffes e chaud-froid, "regados" com champagne ou cognac e doces da bonbonnière.


A Confeitaria Colombo, inaugurada em 1894, é, junto com o Theatro Municipal, uma das jóias da Belle Époque carioca. O estabelecimento, semelhante a outros, funcionava como uma verdadeira esfera pública, um espaço de discussão frequentado por políticos, literatos, artistas e pela elite em geral, como Olavo Bilac, Rui Barbosa, Machado de Assis, José do Patrocínio, Lima Barreto, Villa-Lobos, Lamartine Babo, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e demais vultos.

A vida cosmopolita dos novos burgueses substituiu as convenções sociais aristocráticas do período monárquico, geralmente afastadas dos olhares comuns. A nova burguesia adorava mostrar-se, e não apenas nos teatros e palacetes. Em 1898, chegou ao Brasil o cinematógrafo ou cinema, novo entretenimento que começou a se desenvolver em 1907, com o melhor fornecimento de energia elétrica. Antes da sonorização, os filmes mudos eram acompanhados por música ao vivo; o compositor Ernesto Nazareth, que também era excelente pianista, foi músico de cinematógrafo (diziam que os espectadores gostavam mais de ouvi-lo, do que assistir a fita).


Foto de c.1960 da Praça Marechal Floriano Peixoto, que até hoje é mais conhecida como Cinelândia, nome que recebeu nos anos de 1920, visto que concentrava as principais salas de cinema da cidade, como o Pathé, Palais, Glória, Capitólio e Odeon. Hoje somente o último ainda está em funcionamento (ao fundo, vê-se o extinto palácio do Senado Federal).


O bota-abaixo recente da modernidade: 
Um tesouro arquitetônico perdido: o belíssimo Palácio Monroe resistiu por 70 anos (foto c.1950).

Seu projeto foi desenvolvido pelo engenheiro militar Francisco Marcelino de Souza Aguiar para representar o Brasil durante a Exposição de Saint Louis em 1904 nos Estados Unidos. Tanto que foi chamado a princípio de Palácio Saint-Luís. Na ocasião, a obra foi premiada com a medalha de ouro no Grande Prêmio Mundial de Arquitetura. O Saint-Luís, depois rebatizado de Palácio Monroe por Joaquim Nabuco, em homenagem ao presidente americano James Monroe, foi completamente desmontado e trazido para o Rio de Janeiro, para ser reerguido em 1906, época da inauguração da Avenida Central. Imagine fazer algo assim nos dias de hoje! 

O prédio de inspiração eclética afinava-se perfeitamente a proposta do então prefeito Pereira Passos, que na ocasião, expandia a malha urbana e modificava a paisagem e o contexto social carioca. Enquanto o Brasil colonial ia abaixo, modernas estruturas eram erguidas na Avenida Central (atual Rio Branco). O espaço acabou abrigando a sede da Câmara dos Deputados e depois do Senado Federal. Quando a capital foi transferida para Brasília, o Monroe virou escritório de representação do Senado no Rio de Janeiro.

A década de 1970 trazia um novo traçado para a cidade que, mesmo perdendo o status de capital, não parava de crescer e apontar novos projetos de modernidade. Bondes, ônibus e trens não eram mais o bastante e a estação de metrô da Cinelândia foi tirada do papel. Na época, pensou-se em desviar o traçado dos túneis para não afetar as fundações do Palácio Monroe. Pensaram em tombá-lo como patrimônio histórico. Porém, prevaleceu a corrente que era a favor da demolição do edifício (dizem que Lúcio Costa, um dos projetistas de Brasília, sugeriu a demolição, pois o Monroe atrapalhava a vista para o Monumento aos Mortos da 2ª Guerra, bem mais moderno). Em 1976, ele foi abaixo. Em seu lugar está a Praça Mahatma Gandhi e um grande chafariz do século XIX transladado da Praça da Bandeira.

Entretanto, como em diversos movimentos transformadores da história do Brasil, esse deslumbramento da nova burguesia, da crença no progresso, no liberalismo, no utilitarismo e no desenvolvimento concreto em vários setores econômicos e sociais, foi limitado.

A "regeneração" ou modernização urbana não se fez sem grandes perdas para a camada mais pobre da população, que foi expulsa do centro da cidade, durante esse processo, passando a habitar nos morros e periferias. O povo e a cultura "popular" brasileira não se encaixavam na modernidade de moldes ingleses e franceses, e foram deixados de fora. Foi uma república "bela", porém excludente (e ainda é, em muitos casos), que manteve como quase inexistente o exercício efetivo da cidadania: o Estado servindo a todos e não apenas as elites. A exclusão não era apenas racial, mas sócio-econômica.



Cortiços das ruas dos Inválidos e do Senado, ambos no Centro do Rio, que foram abaixo no início do século XX, eram considerados focos de doenças epidêmicas, como a febre amarela e varíola. Foram os principais alvos do prefeito Pereira Passos e do sanitarista Oswaldo Cruz.


Inauguração da Estação de Estrada de Ferro D. Pedro II, na Corte do Rio (1858), pintura de J.G. da Costa.


Foto daCentral do Brasil, em 1899, de Marc Ferrez.

No século seguinte, os sopés e encostas dos morros do em torno perderiam as casas de pequenas propriedades rurais, para dar lugar aos primeiros barracos de favelas (áreas invadidas).

Atual local da Estação Ferroviária da Central do Brasil, no Rio de Janeiro (a Estação foi erguida no lugar da Igreja de Sant'anna, que deu nome ao Campo de Santana). Atrás está o Morro da Providência, antigo Morro da Favela: a primeira área de favelização do Brasil, próximo ao antigo Campo da Aclamação, local da Proclamação da República.

Após o término da Guerra de Canudos, em 1897, alguns ex-combatentes, cerca de 10 mil soldados, se fixaram nas encostas do morro que ficava próximo à sede do governo federal na época (na atual Praça da República). Aguardavam a promessa feita pelos governantes: receber residências na então capital federal. Como os entraves políticos e burocráticos impossibilitaram a construção dos alojamentos, os soldados empobrecidos, residindo em casebres por eles construídos, por lá acabaram ficando.


Primeiros barracos e moradores (descendentes de escravos), em 1906, no Morro da Providência. Foto de Marc Ferrez.

A origem do nome "favela" remete à guerra travada, no sertão baiano, entre o Exército Republicano e seguidores de Antônio Conselheiro. Favela é um morro nas proximidades de Canudos e serviu de base e acampamento para os soldados. Assim também foi batizado o morro carioca (favela ou faveleiro é também um arbusto típico do sertão nordestino). Com o aumento das desapropriações e derrubadas dos cortiços cariocas, e da vinda de emigrantes de outras regiões do país, todo local onde os mais pobres passaram a residir - vivendo sobretudo em barracos nos morros - passou a ser chamado pejorativamente de favela.

Um desprestígio injusto, pois quase 60 anos antes da ocupação do Morro da Favela, o maior nome da literatura brasileira, Machado de Assis, nasceu em lugar próximo, numa casa humilde do Morro do Livramento.

Vemos que a modernização da República pôs de lado o planejamento urbano mais amplo e a reorganização espacial da população em geral.


Gangues do Rio: a capoeira marginal

A capoeira surgiu em fins do século XVI, quando já era praticada por escravos negros de diversas origens africanas. Eles a desenvolveram das antigas artes marciais de tribos da África. Para evitar a repressão dos senhores contra a luta, os escravos camuflaram-na através de uma espécie de "dança de guerra", com a utilização de canções acompanhadas de instrumentos típicos. Fizeram algo parecido com a religião: o sincretismo das crenças africanas com a católica.

Mesmo assim, os "brancos" se sentiam ameaçados pela presença marcante dos capoeiristas (ou "capoeiras") nas ruas. Enquanto as gangues de lutadores usavam sua arte marcial para disputar território e se defender da polícia, os senhores assistiam a essa agitação temendo que os escravos resolvessem se rebelar para valer.

A maioria dos escravos urbanos tinha como rotina fazer compras em armazéns e quitandas, livrar-se do lixo e, principalmente, trazer água limpa para uso doméstico. As fontes da cidade estavam sempre rodeadas de gente. O maior reservatório público ficava no largo da Carioca. Seu chafariz, construído em 1723 (e demolido em 1925), assistiu a exibições dos capoeiras.

Foto de jogo de capoeira (c.1970).

Em poucos anos de Império, a arbitrariedade na aplicação das penas aos capoeiras parecia sem limite. O forro Manoel Crioulo, por exemplo, foi sentenciado a dois anos de trabalhos em obras públicas e mandado ao Arsenal da Marinha em 14 de maio de 1827, por ter dado "uma bofetada de mão aberta". Mas, mesmo sendo considerados marginais e desordeiros pelo Estado, os capoeiras acabaram sendo solicitados para, quem diria, manter a ordem. Em junho de 1828, as tropas estrangeiras do Exército Imperial, formadas principalmente por irlandeses e alemães, ameaçaram um levante militar por conta do atraso no pagamento de seus soldos. Armados, com o apoio das autoridades, escravos e capoeiras formaram milícias e conseguiram conter a agitação dos mercenários amotinados. Foi uma demonstração de poder e tanto.

Nem mesmo a abolição da escravidão e a proclamação da República serviram para acabar com a repressão contra os capoeiras. Em 11 de outubro de 1890, foi promulgado o código penal do novo regime. Em seu artigo 402, ficou estabelecida uma pena de dois a seis meses de prisão para quem praticasse a arte marcial nas ruas. Para os chefes das maltas, essa punição seria aplicada em dobro, enquanto os reincidentes poderiam ficar presos por até três anos. A capoeira, finalmente, havia se tornado oficialmente um crime, para o alívio da elite que vivera amedrontada por quase um século.

Nos anos de 1930, um importante capoeirista brasileiro, mestre Bimba, apresentou a luta para o então presidente Getúlio Vargas. O presidente gostou tanto da "luta-dança" que a legalizou e transformou em esporte nacional brasileiro.

Fonte: Abadá-Capoeira Fronteira, por Antônio Neto.

A Reação: Uma Gota de Esperança Democrática na Chávena do Café com Leite

Entre 1920 e 1921 surgiu a dita Reação Republicana, chapa oposicionista contra o domínio de SP e MG, os quais revesavam-se na presidência da República. Com o objetivo de construir um eixo alternativo de poder, Estados importantes como RJ, PE, BA e RS se mobilizaram durante a campanha eleitoral daquele período. O candidato da Reação era Nilo Peçanha, que, como era antes vice, chegou a ser presidente do país, apenas de 1909 a 1910, quando Afonso Pena faleceu sem completar o mandato.

A Reação propunha mudanças na organização política e econômica do país, defendendo maior equilíbrio federativo, solução da crise financeira, diversificação agrícola, expansão da educação pública, incentivo ao desenvolvimento econômico e regeneração dos costumes políticos.

Aconteceu uma fissura no pacto oligárquico da Primeira República, que tinha duas faces: o poder central apoiando os grupos dominantes nos Estados, e estes, em troca, apoiando a política do presidente da República; a Política do Café com Leite, segundo a qual as oligarquias paulista e mineira escolhiam o candidato oficial (quase sempre vencedor) e travavam o rumo das políticas nacionais.

Pela primeira vez na história da República, realizou-se uma campanha política de amplo alcance geográfico, com a formação de comitês eleitorais em diversas cidades do Brasil. Nilo Peçanha e seus aliados fretaram um navio (Íris) para viajar pelo país: a busca por uma república com real unidade nacional.


Nilo Procópio Peçanha (1867-1924)
Diferente da maior parte dos políticos oligárquicos, Peçanha nasceu em um sítio pobre no Norte Fluminense e foi filho de um padeiro. Com muito esforço, formou-se em Direito, em Recife (PE), e entrou para a política. Talvez tenha sido o primeiro presidente a representar etnicamente grande parte do povo brasileiro, pois era considerado mulato.

A Reação, porém, estava em desvantagem em relação à chapa oficial que detinha o domínio nacional do jogo político. O voto não era secreto e as fraudes eram uma prática comum. Entretanto, os "reacionários" acreditavam ser possível reverter a diferença, assim como inibir as fraudes, mediante o convencimento da sociedade a favor da causa.

Embora fosse um movimento das elites políticas, a Reação Republicana atraiu a simpatia e conquistou a adesão de vários segmentos sociais insatisfeitos com o governo, como a maçonaria (enfraquecida em relação ao poder que detinha no passado), as feministas, setores médios urbanos e a imprensa que promovia a campanha. Além deles, o apoio dos militares, sobretudo dos de menores patentes, foi fundamental para a força e amplitude geográfica da campanha.

Sob forte tensão, pois o pleito foi marcado por denúncias de fraude generalizada, o candidato oficial, Arthur Bernardes, foi eleito presidente em 1922. Antes da posse do adversário, a Reação não reconheceu o resultado e reivindicou a criação de um Tribunal de Honra, que arbitrasse o processo eleitoral. Tentaram mobilizar a opinião pública e buscaram encontrar uma solução política para reverter a situação. Tudo em vão. Após Afonso Pena, Venceslau Brás e Delfim Moreira, Bernardes foi outro mineiro no Palácio do Catete.

Durante a República oligárquica, tomaram posse presidentes que não foram paulistas ou mineiros: O marechal Hermes da Fonseca era gaúcho, Rodrigues Alves, paraibano e Washington Luís, fluminense. Porém, todos, com maior ou menor relevância, representaram os interesses das elites de SP, MG ou RJ.

O resultado da eleição produziu uma reação bem mais enérgica: em 05 de julho de 1922, jovens militares - grupo que apoiou a Reação, mas que tinha ideologia e demandas próprias - se rebelaram no Forte de Copacabana, no Rio, e foram reprimidos com violência. O fato foi o marco inicial do tenentismo, movimento que iria derrubar, oito anos depois, a já desgastada República Velha.


O Levante dos 18 do Forte, formado por 17 militares e 1 civil, inspirou o movimento tenentista pela enorme coragem de seus integrantes. Os 18 remanescentes, dos mais de 300 revoltosos que tomaram o forte, saíram da fortificação para combaterem milhares de soldados do governo (apenas dois sobreviveram ao tiroteio). Aqueles eram tempos de idealismo ferrenho.

Os governos das oligarquias do Café com Leite estavam com seus dias contados. A partir de 1914, com o romper da Primeira Guerra Mundial, a crise do café (falta de compradores no exterior) enfraqueceu as elites ligadas ao produto; crise agravada com a Quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929.

Abriu-se espaço de decisão política para outros setores, como a burguesia industrial, o proletariado, a classe média urbana e, é claro, diversos jovens oficiais do Exército.

O tenentismo, dos anos de 1920, foi a fagulha que gerou a Revolução de 1930, quando outro golpe de Estado, protagonizado novamente por militares, representou a busca aparente por uma república mais popular (início do populismo político). Morreu, assim, a República Velha.


Durante o início dos movimentos que geraram a Revolução de 1930, os defensores da República Velha escarnearam os militares revoltosos gaúchos, liderados em parte por Getúlio Vargas, que disseram que marchariam até a Capital Federal (Rio de Janeiro), para amarrarem seus cavalos no obelisco da Avenida Central. E assim fizeram.

O árduo caminho à uma república 

verdadeiramente

democrática continua...

A Era Vargas (1930-1945) foi uma refundação da República visando a centralização do Estado e a integração real deste com o povo. Para isso, Getúlio, na chefia do governo provisório, em vez de organizar uma nova constituição, manteve-se na presidência ao não aceitar a eleição de Júlio Prestes (nome ligado às antigas oligarquias). Os paulistas, inconformados com a diminuição do poder, combateram armados o novo governo federal na Revolução Constitucionalista de 1932. Esta nova guerra civil ceifou a vida de mais de 3 mil brasileiros, somando os dois lados.

Após a derrota do povo de SP e aliados, surgiu a Constituição de 1934. A partir dessa Carta, as mulheres e clérigos, de todo país, puderam, finalmente, votar e se candidatar a cargos políticos; os soldados na ativa, porém, ainda não podiam (até hoje os jovens praças, suscetíveis às ordens de militares superiores, que poderiam dirigir o voto deles, são impedidos de ir ao pleito). O voto tornou-se obrigatório, e nasceu a Justiça Eleitoral.

Essa democracia não durou muito tempo, pois o popular Vargas, "inspirado" nos regimes totalitários da Alemanha e Itália, em voga na época, conseguiu apoio para instaurar o Estado Novo (1937-1945). Embora ditatorial, esse governo garantiu benefícios populares NUNCA antes vistos por aqui, como as leis do trabalho, a aposentadoria, assistência social, garantia ao sindicalismo e demais direitos públicos. O grande desafio das gerações atuais e futuras é proteger, perdurar e melhorar tais direitos.



De 1945 a 1964, o país viveu um curto período democrático (pelo menos na teoria). As eleições agora eram de responsabilidade do poder público, sendo fiscalizadas por tribunais eleitorais. O voto secreto, surgido na Constituição de 1946, garantiu a lisura dos pleitos; fortaleceram-se os vínculos entre partidos e eleitorado: sistema partidário-eleitoral de caráter nacional que expressava as diversas correntes de opinião da sociedade brasileira (pluripartidarismo). 

Mas houve limitações ao jogo democrático, pois os analfabetos ainda não podiam votar, e o Partido Comunista do Brasil (PCB) teve o registro cassado, atendendo aos interesses do bloco capitalista mundial, no qual o Brasil estava inserido, dentro do contexto da Guerra Fria.

Em relação aos direitos civis, ocorreram avanços, como a liberdade de imprensa, de religião, de organização e de livre expressão da opinião. Contudo, para os trabalhadores os direitos civis eram precários em muitos aspectos; negros e mulheres sofriam discriminações, enquanto o acesso à Justiça continuou a ser privilégio das elites.

A democracia, porém, sentiu outro duro golpe, em 1964, encabeçado novamente por militares (“herdeiros legítimos” do sanguinário Floriano) em aliança com setores civis conservadores, ambos dirigidos, sobretudo, pelo capital estadunidense. O autoritarismo, com a desculpa de eliminar a "ameaça" comunista, pôs por terra os avanços democráticos anteriores e as intenções de democratização do poder e melhor distribuição da riqueza do país. Os sistemas constitucionais, de 1967 e 1969, visaram apenas legitimar a ditadura (vide os atos institucionais).

O Brasil, finalmente, fundamentou sua revolução industrial ("milagres econômicos"), na década de 1970, entretanto, a custo de elevados endividamentos externos e internos, que ruíram as bases dos governos ditatoriais expondo, desta forma, a incompetência e o descaso econômico e administrativo.

O último regime militar do Brasil perdurou até 1985. O processo de redemocratização observou intensa mobilização e participação de amplos setores da sociedade brasileira, e não apenas das elites políticas, como tradicionalmente esperava-se. Em 1988, foi outorgada a atual Constituição, a mais democrática já produzida, dita "Constituição Cidadã".


O caminho percorrido pela nossa República até agora foi bastante tortuoso. Em pouco mais de um século de existência enfrentou 12 estados de sítio, 17 atos institucionais, 6 dissoluções do Congresso, 19 revoluções ou intervenções militares, 2 renúncias presidenciais, 3 presidentes impedidos de tomar posse, 4 presidentes depostos, 7 Constituições diferentes, 4 ditaduras e 9 governos autoritários.

Mesmo assim, pode-se dizer que desde 15 de novembro de 1889, a República Brasileira nunca respirou em sua plenitude a democracia, a qual, como o próprio nome designa, em grego (dēmokratía), é o “governo do povo, da maioria”. O mesmo aplica-se à "república", que significa, em latim, “bem ou coisa pública” (res publica). Tanto em repúblicas quanto em monarquias constitucionais (a exemplo do Reino Unido e Japão), o que existem, na prática, são níveis de democracia.

Pode-se dizer, por fim, que haverá democracia onde exista soberania popular efetivamente exercida, não importa através de que meios institucionais. [...] O que é necessário é que, para avaliarmos se um determinado Estado é democrático, vejamos, em cada caso, qual o grau de liberdade dos cidadãos, qual o grau de estabilidade e vigor das instituições políticas, qual o grau de participação popular nas decisões públicas, qual o grau de responsabilidade do governo perante os cidadãos, quais os mecanismos de controle real dos abusos de poder, qual a flexibilidade das instituições básicas para atender à exigência de mudanças pacíficas derivadas da vontade popular e uma série de outros aspectos correlatos. Assim, provavelmente, chegaremos à conclusão de que existem muitas democracias, nenhuma delas perfeita em função dos critérios abstratos que desenvolvamos, algumas mais aproximadas deles, outras mais distantes.

[RIBEIRO, João Ubaldo. Política; quem manda, por que manda, como manda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, pp. 104-5]

Nosso regime republicano, ao longo do tempo, foi manipulado por diversas práticas, tanto democráticas quanto autoritárias, e serviu a diferentes intenções.

Ora, portanto, uma república realmente democrática jamais deve servir apenas a militares de alta patente, demais elites ou interesses estrangeiros, o que, infelizmente, ainda perdura: a histórica plutocracia brasileira, a “monarquia dos mais ricos e poderosos”.


As casas-grandes e senzalas contemporâneas: condomínios de luxo, do bairro e praia de São Conrado, com a favela da Rocinha ao fundo (Rio de Janeiro-RJ). O abismo econômico-social, causado pela péssima distribuição de renda, é um dos maiores problemas que acompanham o Brasil desde o Descobrimento. Os governantes e as elites nunca favoreceram a maior parte da população.

A Constituição atual permite, enfim, que analfabetos possam votar (embora não possam candidatar-se), no entanto, parece lógico que a erradicação do analfabetismo é um dos fatores indispensáveis para que haja avanços sócio-políticos bem maiores no Brasil.

Quando reformas que verdadeiramente beneficiam o povo não saem do papel (no âmbito da educação, saúde, transporte, trabalho, habitação, lazer etc.), quando não há renovação satisfatória nos estratos de decisão política, ou seja, quando notamos que o status quo no Brasil, há mais de 500 anos, continua intocável em sua essência, está mais do que na hora de perguntarmos se a República foi, realmente, proclamada.



Bibliografia:

Nosso Século Brasil. São Paulo: Abril, 1985.


VICENTINO, Cláudio e DORIGO, Gianpaolo. História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1997.

Flanando pela Belle Époque carioca [fôlder da exposição do Museu da República]. Rio de Janeiro: 2009.

Nilo Peçanha e a Reação Republicana [fôlder da exposição do Museu da República]. Rio de Janeiro: 2012.
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1 comentário

1 comentários:

Unknown disse...

Aquela "residência" não era de D Pedro II e sim da sua filha, Leopoldina.

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