Rostand Medeiros
A capoeira é ao mesmo tempo dança, luta e jogo e possui raízes nas práticas de sociedades tradicionais. Mas tal como acontece com grande parte do patrimônio africano no Brasil, o que é conhecido sobre as origens da capoeira é preliminar e existe uma grande dificuldade em firmar os momentos iniciais da capoeira sob muitos aspectos..
O que prevalece é que a “dança guerreira” começou na senzala das antigas fazendas brasileiras, onde os cativos africanos se reuniam para manter viva sua cultura através de rituais. Como os escravos capturados provinha de várias tribos africanas diferentes, muitas vezes sua única linguagem comum era um português rudimentar e a postura corporal. Danças, tambores e cânticos tornaram-se ferramentas para fortalecer os laços e criar um senso de comunidade entre os cativos.
O que parecia aos olhos dos donos dos escravos apenas uma “dança de negros”, eram a cobertura perfeita para desenvolver as competências necessárias para desenvolver uma técnica de luta capaz de matar.
Com o tempo os laços da senzala permitiu que os escravos se organizassem e planejassem a fuga de seus cativeiros. Uma vez na condição de fugitivos, eles iriam praticar sua dança de resistência nas clareiras das florestas. Essas áreas de vegetação rasteira eram chamadas na língua Tupi como caa-puera e de lá Capoeira evoluiu.
Consta que o registro mais antigo registro referente à capoeira foi encontrado pelo jornalista Nireu Cavalcanti e publicado no seu livro “Crônicas históricas do Rio Colonial” ( Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira/FAPERJ, 2004). Este documento data de 1789 e se comenta sobre a libertação da cadeia de um escravo chamado Adão, preso nas ruas do Rio de Janeiro devido à prática da “capoeiragem”, apontando que a repressão policial ocorria antes mesmo da lei de 1890 que criminalizou a capoeira, já durante o início do período republicado do governo do Marechal Deodoro da Fonseca.
Pesquisas históricas apontam que, diferentemente da forma como são apresentados nos jornais da época, os capoeiras não eram simplesmente e tão somente um bando de vadios e vagabundos. Vários eram trabalhadores de rua que viviam de ocupações esporádicas e intermitentes, com um ritmo de trabalho irregular, o que gerava períodos de ociosidade, certamente entremeados por momentos de diversão.
Muitos eram marítimos, carregadores, carroceiros e estivadores que atuavam próximo à região portuária. Outros realizavam trabalhos braçais como marceneiros, chapeleiros, peixeiros, engraxates, pedreiros, vendedores ambulantes, entre outras atividades. Nesta condição a maioria dos capoeiras eram analfabetos.
Já a relação entre os capoeiras no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX se davam através do dia a dia cotidiano da escravidão urbana, dividida entre a casa do senhor e a rua, espaços onde o escravo cuidava dos afazeres domésticos e trabalhava no comércio local, sendo este muitas vezes o motivo gerador de disputas territoriais.
Nesta situação de territorialidade não era difícil que muitos capoeiras também transgredissem as regras da ordem pública vigentes no período. Seus praticantes eram reconhecidos por afrontarem a polícia, provocarem brigas e correrias, marcadas por cabeçadas, rasteiras e navalhadas. Muitos destes combates aconteciam entre grupos de bairro distintos do Rio antigo. Além disso, causavam arruaças e brigas nos desfiles das bandas militares.
A primeira codificação penal brasileira, datada de 1830, não possuía uma referência explícita aos praticantes da capoeira, mas os chefes de polícia os enquadravam no capítulo que tratava dos vadios e mendigos. Com o fim da escravidão e o início da República, a capoeira é inserida no Código Penal Brasileiro através do decreto de 11 de outubro de 1890:
Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil
Capítulo XIII — Dos vadios e capoeiras
Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal;
Pena — de prisão celular por dois a seis meses.
A penalidade é a do art. 96.
Parágrafo único. É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes ou cabeças, se imporá a pena em dôbro.
Art. 403. No caso de reincidência será aplicada ao capoeira, no grau máximo, a pena do art. 400.
Parágrafo único. Se fôr estrangeiro, será deportado depois de cumprida a pena.
Art. 404. Se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio, praticar alguma lesão corporal, ultrajar o pudor público e particular, perturbar a ordem, a tranqüilidade ou segurança pública ou for encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes.
Com este instrumento jurídico específico de incriminação da capoeira, a polícia reprimiu com extrema violência os praticantes desta tradição. Desse modo, o final do século XIX e início do século XX é marcado no Rio de Janeiro por histórias de combates e conflitos entre as maltas dos capoeiras e os policiais.
QUER SABER MAIS, ENTÃO LEIA – CAVALCANTI, Nireu Oliveira. Crônicas históricas do Rio Colonial. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira/FAPERJ, 2004.
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A Negregada Instituição: os capoeiras na Corte Imperial (1850-1890). Rio de Janeiro: Access Editora, 1999.
REGO, Valdeloir. Capoeira Angola – ensaio sócio-etnográfico. Salvador: Editora Itapuã, 1968.
DIAS, Luis Sérgio. Quem tem medo da capoeira? Rio de Janeiro: Secretaria Municipal das Culturas, Departamento Geral de Documentação e Informação cultural, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro: Divisão de Pesquisa, 2001.
MORAES FILHO, Mello. “Capoeiragem e Capoeiras Célebres”. In: Festas e Tradições Populares no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia/São Paulo: EDUSP, 1979.
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